Como a União Europeia promete e pode não cumprir – ou endividar-se para nada

(João Gomes, in Facebook, 19/12/2025)


A União Europeia (UE) anunciou, com a solenidade habitual, que “garantiu” 90 mil milhões de euros para a Ucrânia. A palavra é forte, tranquilizadora e politicamente útil. O problema é que, por detrás do verbo garantir, esconde-se um processo longo, condicionado, juridicamente frágil e financeiramente incerto – tão incerto que, no fim do caminho, o dinheiro pode nunca chegar à Ucrânia ou chegar apenas sob a forma mais clássica da governação europeia: dívida acumulada e redistribuída.

Comecemos pelo princípio. A UE não tem 90 mil milhões disponíveis. Não os tem em caixa, não os tem no orçamento, nem os retirou dos ativos russos congelados, que ficaram – por prudência legal, receio político ou simples falta de coragem – intocados. O que tem é uma ideia: ir aos mercados financeiros emitir dívida conjunta, tal como fez na pandemia, e usar esse dinheiro para emprestar à Ucrânia em 2026 e 2027.

Mas entre a ideia e o dinheiro há um caminho tortuoso.

Primeiro, a Comissão Europeia terá de transformar a promessa política num instrumento jurídico concreto. Isso implica propostas formais, base legal nos Tratados, integração no quadro financeiro plurianual ou criação de um mecanismo paralelo. Depois, essas propostas terão de ser aprovadas pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu, num contexto político que, daqui a um ano, poderá ser bastante menos consensual do que o atual. Nada disto é automático. Nada disto é rápido.

Só depois desse percurso é que a UE poderá fazer aquilo que realmente conta: emitir títulos de dívida nos mercados internacionais. E aqui convém desfazer um equívoco: a UE não vai pedir dinheiro “aos contribuintes europeus” de forma direta. Vai pedi-lo a bancos, fundos de investimento, seguradoras e investidores institucionais – muitos deles europeus – que comprarão obrigações da UE em troca de juros.

Esses investidores não vivem de promessas políticas. Vivem de garantias. E a principal garantia oferecida não são reparações de guerra russas, que podem nunca existir, mas sim o orçamento futuro da própria União Europeia. Traduzido: se a Ucrânia não pagar – e só pagará se a Rússia perder a guerra e aceitar indemnizar – quem paga são os Estados-membros, via contribuições futuras para o orçamento comum.

É aqui que a ironia se adensa. Para evitar o risco jurídico de usar ativos russos já existentes, a UE aceita o risco financeiro de criar dívida nova, com juros, paga a entidades privadas, baseada num desfecho de guerra que não controla. Uma escolha que substitui um problema legal por um problema orçamental prolongado.

Acrescente-se um detalhe pouco destacado: nem todos os Estados-membros participam plenamente nas garantias. Alguns ficaram de fora do mecanismo por razões políticas diversas (Hungria, República Checa e Eslováquia). O resultado é uma UE onde todos anunciam solidariedade, mas apenas alguns assumem o risco financeiro final. A mutualização, afinal, tem exceções.

E o que recebe a Ucrânia agora? Essencialmente, promessas calendarizadas. O dinheiro só poderá começar a fluir quando todas as etapas forem concluídas e quando os mercados aceitarem as condições. Até lá, há compromissos políticos, não transferências bancárias.

No fim deste percurso, existem dois cenários plausíveis. No primeiro, o financiamento aparece, a guerra continua e a dívida fica no balanço europeu durante décadas. No segundo, o financiamento nunca vem plenamente, as condições mudam, e a UE descobre que prometeu aquilo que não podia garantir – ficando, ainda assim, com os custos políticos e parte dos financeiros.

Em ambos os casos, o risco é o mesmo: endividar-se para comprar tempo, sem resolver o conflito, sem definir uma estratégia de saída e sem explicar aos cidadãos europeus que esta promessa, como tantas outras, pode acabar convertida numa fatura permanente. A UE prometeu. Cumprir ainda está por provar. E, se cumprir, poderá fazê-lo pagando juros por uma guerra que talvez nunca tenha sido vencida – nem no campo de batalha, nem na contabilidade.

A UE assume o papel dos “Reis Magos” e traz prendas “manhosas” para o Menino Jesus Zelensky que, deitado nas ruínas da Ucrânia, ainda sonha que irá vencer alguma coisa. Talvez uma conta bancária ainda mais choruda.

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